Eu tinha 8 anos de idade e falei para o meu pai que eu queria trabalhar e ganhar dinheiro. Ele me disse que para trabalhar, eu precisava de alguém que me contratasse. Eu logo respondi que queria trabalhar de vendedora na papelaria do bairro.

Naquela época, as papelarias de bairro eram mundos mágicos para mim. Papéis coloridos, canetas coloridas, potinhos de glitter, estojos da Hello Kitty, réguas com água e lantejoulas em formato de estrelinhas dentro. Era impossível ser infeliz dentro de uma papelaria.
Meu pai me disse que eu precisava saber se havia trabalho para mim nesta papelaria, meio que duvidando de qualquer ação minha. Então, na tarde do dia seguinte, fui à papelaria. Cheguei para a mulher do balcão e perguntei se tinha trabalho para mim. Ela deu um sorriso e falou que lá estava sobrando gente. Olhei para a menina que estava no caixa (que parecia ser pouca coisa mais velha que eu) e perguntei se nem pessoa do caixa eles precisavam. Ela também disse que não precisava.
Quando meu pai retornou do trabalho, à noite, eu disse para ele que tinha ido pedir emprego na papelaria. Ele ficou muito surpreso. Realmente ele não esperava que eu fizesse isso e me perguntou o que aconteceu depois. Eu falei que eles não precisavam de mais gente. Ele então disse “É difícil arranjar emprego, né?”.
Na tarde do dia seguinte, fui a uma outra papelaria do bairro. Fiz a mesma pergunta para a mulher que estava no balcão e ela fez a mesma coisa: sorriu e disse que não estava precisando de empregados.
Meu pai retornou do trabalho e eu relatei o ocorrido. E então ele me disse “Que difícil arranjar emprego, não?”.
Naquela época, eu gostava de assistir àquelas séries japonesas de heróis (Não era Cavaleiros do Zodíaco… era bem antes disso) que passava no canal da Manchete. Então passei a desenhar os heróis nas folhas sulfite que tinha em casa. Não era desenho de palitinho, mas também não era grande coisa. No final, fazia um rolinho com cada folha desenhada e passava um durex para não abrir.
Eu cheguei perto da minha mãe e falei “Mãe, estou vendendo desenhos. Qual você quer comprar?”. Ela ainda estava naquele momento de tratar as filhas como criancinhas, então ela disse que eu desenhava bem e que compraria um. Eu não me lembro que preço eu havia estabelecido, mas lembro que era em cruzeiros ou cruzados.
No dia seguinte, levei os desenhos para a escola. Expliquei para meus amigos o que eu estava vendendo. Eles acharam muito legal cada desenho, mas ninguém comprou até porque não levavam dinheiro para a escola. No máximo, levavam dinheiro para comprar lanche na cantina. Ofereci para amigos de outras salas, mas recebia um “vou ver com a minha mãe”.
À noite, ofereci meus desenhos para meu pai. Ele disse que não ia comprar porque não estava precisando de desenhos. Ele me perguntou por que eu estava vendendo os desenhos. Eu respondi que queria ter meu dinheiro.
Bom, foi neste momento que a era das mesadas começou lá em casa. Dinheiro em troca de serviços/ tarefas de casa (lavar a louça, tirar o lixo, lavar os quintais, lavar o carro, regar as plantas, estender as roupas para secar, passar aspirador, colocar os pratos na mesa – estas tarefas já eram realizadas, mas tornaram-se oficialmente “serviços pagos” ou “serviços compulsórios e pagos”). — Devia ser horrível viver em um país naquele momento de inflação anual de 500 ou 600%, mas horrível mesmo foi ter uma mesada fixa sem reajuste nesta época :-O
Lógico, o dinheiro que estava investido no banco não era para ser mexido, mas era bom ter aquele outro dinheirinho vindo para suas mãos depois do “trabalho” realizado.
A história e experiência de cada pessoa com o primeiro desejo em obter seu próprio dinheirinho de bolso (nosso pocket money) varia muito, mas são histórias que atraem muito pela pureza da coisa e pelo desconhecimento de obstáculos.